"Eu sou aquela mulher que fez a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando flores". A frase é da Anna Lins dos Guimarães, ou simplesmente Cora Coralina, mas poderia ser de tantas mulheres que eu conheço, que fizeram e fazem parte da minha vida. Nestes tempos difíceis, de tanta intolerância, tanta violência contra as mulheres, lembrei delas, que eu tive o privilégio de crescer e aprender muito da vida.
Maria Luiza, minha avó paterna, e Nina, minha avó materna. Mulheres que cabem muito bem na frase de Cora. Talvez pelo único fato de serem mulheres, de terem passado por esse mundo numa época em que eram invisíveis aos olhos da sociedade.
Delas poderiam ser outras palavras da escritora simples, mas tão sábia, que foi Cora: "eu sou aquela mulher a quem o tempo muito ensinou. Ensinou a amar a vida e não desistir da luta, recomeçar na derrota, renunciar a palavras e pensamentos negativos".
Nina nasceu Carmelina, filha de imigrantes italianos que chegaram por aqui no final do século 19. Perdeu a mãe muito cedo e passou a infância como muitas daquela época, trabalhando e ajudando a cuidar dos irmãos menores. Cresceu com os golpes duros da vida desde muito cedo. Num tempo em que a mulher passava da jurisdição do pai para a do marido, casou muito jovem e trouxe à vida 12 filhos. Sim, todos de parto natural. Mas como Cora, ela poderia dizer: "nasci em tempos rudes. Aceitei contradições, lutas e pedras como lições de vida e delas me sirvo. Aprendi a viver".
Passou por esta vida com maestria, força e muita coragem. Cedo ficou viúva e agarrou as rédeas da própria história, com uma vontade de viver e uma fé inabalável que impressionava. Porque assim como Cora, ela também pensava que "se a gente cresce com os golpes duros da vida, também podemos crescer com os toques suaves na alma".
Uma jornada de mais de 80 anos de afeto, amor à vida e aos seus, uma vida de exemplo para todas nós que chegamos depois. São destas mulheres destemidas, que aprenderam a ser fortes na submissão, na invisibilidade, que cresci e seguidamente me espelho. Como a Cora, descobriram que a simplicidade poderia ser o melhor caminho para uma riqueza de espírito.
Quando leio as palavras da Cora, lembro delas. Elas nunca se viram, mas parece que se conheciam tão bem. Se eu fechar os olhos, consigo ouvir bem baixinho: "é que tem mais chão nos meus olhos do que cansaço nas minhas pernas, mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros, mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça".
Sangue não é água. Carregamos pela vida as muitas vidas que nos formaram. Tenho imensa saudades das minhas avós. Tenho muita gratidão pelo caminho que elas trilharam e por tudo que nos legaram.
Não tem como não lembrar delas nestes tempos difíceis, que parecem que ficaram bem mais tortuosos para muitas de nós.
Como diria Cora, ou Nina, ou Maria Luiza: "mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir".